13 de agosto de 2009

Os canarinhos, os milicos e minha avó.

Intervalo de jogo: inesperadamente, os Estados Unidos iam vencendo o Brasil por 2 a 0. Levantei da sala, onde assistia ao jogo com o meu avô, para ir à cozinha comer um pedaço de bolo enquanto o jogo estava parado. “Agora até nisso eles estão ganhando da gente?”, reclamou vovó, que ouvira nossos lamentos enquanto lia o jornal. Resmunguei qualquer coisa e peguei uma parte d’O Globo que estava em suas mãos. Abri justamente em uma reportagem que esmiuçava alguma das muitas barbaridades cometidas pelos militares durante a ditadura. Foi automático perguntá-la quantos anos ela tinha quando veio o golpe e o que ela achava daquilo tudo: “Ah, eu já tinha meus 30 e poucos anos. O que eu acho? Olha meu neto, eles não deviam ter ficado tanto tempo. Mas agiram certo. O país estava uma bagunça. Se deixassem, iríamos cair nas mãos dos comunistas!”. E falava com o mesmo temor de quem teme que hoje ou amanhã possa a vir assaltado na rua. Por mais que eu já tenha lido a respeito, não me sinto confortável em confrontar quem viveu aquilo tudo, quem foi testemunha ocular. Deixei que continuasse: “Torturaram só quem era subversivo! Ninguém lembra que eles também assaltavam bancos e matavam inocentes”. Era engraçado ver a minha avó, doce e afável por natureza, defendendo os militares com aquela veemência! Uma perfeita reacionária.

Fui tentando argumentar falando dos exilados: Caetano, Gil, Betinho, Niemeyer, Gabeira... “Esse Gabeira é um safadão! Seqüestrador e maconheiro!” Falou, como se o rapto fosse o menor de seus delitos. Eu achava tudo aquilo incrível, pois percebia o quão variável pode ser o enfoque de uma situação. Pra mim o Gabeira é quase um paladino da liberdade, um herói mesmo... “COMEÇOU”, gritou o vovô lá da sala. Futebol era o que menos me interessava naquele momento. Queria perguntar mais, ouvir mais, ver através de outras lentes. Lentes essas que me pareciam um tanto desfocadas. Se dependesse da minha vontade, passava horas com aquela conversa. “GOOOOOOOOOOOL!”. Não deu. Numa repetição microscópica do que a seleção de 1970 fez com as convulsões políticas na população brasileira à época, Luís Fabiano acabou com a minha festa. “Vai lá, neto!”. Com o instinto futebolístico falando mais alto,corri pra sala para acompanhar a partida, que acabou com o Brasil campeão vencendo por 3x2, e nosso embate ideológico não pôde continuar.



A ditadura, do meu ponto de vista



6 comentários:

  1. Não sei o resto do diálogo, mas da parte relatada, achei a do comunismo curiosa. Como a propaganda consegue mexer a cabeça das pessoas, como naquela época as pessoas eram ainda mais alienadas pelos meios de comunicação. A maioria da sociedade via o Comunismo como algo absurdo( não sou a favor) e considera um período tão negro em nossa História tão bom pelo simples fato de que 'espantou' os comunistas...

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  2. E é muito curioso mesmo observar as opiniões dos mais velhos quanto à esses assuntos que tanto aprendemos nos livros de história. A maioria das vezes nos surpreendemos!

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  3. Bom... já te expus o que eu acho. Anistia foi para os dois lados do mesmo modo que os "paladinos da liberdade" lutavam paratirar um governo militar e instaurar uma república socialista,através de armas, os militares lutavam para ficar no poder, também através de armas. Sou um pacifista e nao concordo com uso de poderio bélico em qualquer caso. Flores e palavras sempre feriram mais.
    Pra ñ ficarmos aqui discutindo qualquer posicao ideológica,encerro meu comentário com um merecido cumprimento.
    Muito bom, camará.

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  4. À época não haviam mais alternativas, e me parece mais honesto ser de um movimento social apesar de não-democrático. É óbvio que hoje em dia não admiro nem admiraria quem tem como desejo instalar governos autoritários, como fez Chávez na Venezuela.
    Agradeço muito os cumprimentos e fico feliz, já que eles vêm de alguém que respeito bastante. Obrigado mesmo.

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  5. Parabéns pelo texto. Excelente e muito inteligente. Em relação ao período militar, hoje ainda podemos escutar com frequencia que em virtude da situação atual do Brasil os militares deveriam assumir novamente o governo.
    Com isso fico pensando...antes de pensarmos em que sistema deveremos ser governado, preciamos acertar em quem votar. Estamos precisando de pessoas honestas que realmente governem esse país penasndo nele, e por consequencia... no povo....

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  6. O lado negativo da ditadura é por demais superestimado.

    A verdade é que a ditadura teve o grande mérito de entregar aos civis um Brasil 'ileso' da Guerra Fria, fato que raramente é mencionado pela esquerda, ou subestimado.

    Já sofri duros juízos de valor pelo que afirmarei: O Brasil foi abalado pelo governo Geisel, lesado pelo Figueiredo e logo depois sepultado pelos civis.

    Abraço

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